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Rio de Janeiro, fevereiro de 1959. O rapaz ajeita a gravata antes de subir ao palco. Como convém a todo crooner, não apenas a voz deveria estar perfeita. Aparência também é fundamental. Ainda mais em se tratando de uma estreia.
Apreensivo, o jovem pensa em todo o trajeto até ali. As memórias da infância emCachoeiro do Itapemirim (ES),a vinda para o Rio com a família, o grupo musical do qual havia se desligado dois anos antes por desavença com o amigo Tião. Tudo vai se entrelaçando nos minutos anteriores à apresentação.
Mas o que realmente não sai da cabeça do rapaz é a melhor forma de fazer com que a apresentação se aproximasse do estilo do ídolo João Gilberto. Era nele que se espelhava. E foi assim, cantando bossa nova e prestes a completar 18 anos, que Roberto Carlos estreou como cantor profissional há 50 anos.
No final dos anos 60, já consagrado como artista mais popular do Brasil, Roberto começava a se desvincular da imagem da Jovem Guarda. A batida iê-iê-iê dava lugar a arranjos elaborados, com uma linha de contrabaixo pulsante, guitarras cortantes, uma bateria ritmada e cheia de viradas, metais melódicos e backing vocals femininos. As letras passaram dos amores adolescentes, beijinhos no cinema e carangas envenenadas para o desejo pela mulher, a dor da separação, a vontade de se ter novamente quem se gosta e a raiva por ter sido desprezado. E o primeiro flerte de Roberto Carlos com todos esses ingredientes foi no disco O Inimitável, de 1968. As músicasCiúmes de Você e Não Há Dinheiro que Pague foram as primeiras de uma incursão bem-sucedida do Rei pelo universo da Black Music.
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A música que Tim ofereceu para o álbum era Você, cujos versos (Você é algo assim/É tudo pra mim/É como eu sonhava/Baby) não se sabe por que não agradaram a Roberto, sendo gravada apenas em 1971, pelo próprio autor em seu segundo disco. Mesmo assim, o Rei não deixou Tim na mão. Pediu a ele que compusesse outro soul, com uma batida forte e falando de um sujeito que não queria mais saber da namorada. O resultado foi Não Vou Ficar, cujos versos casavam perfeitamente com a batida forte da melodia (Há muito tempo eu vivi calado/Mas agora resolvi falar/Chegou a hora/Tem que ser agora/E com você não posso mais ficar). Tudo elaborado por Tim e exatamente como Roberto queria.
No disco de 1970, Roberto Carlos começa a série de canções religiosas que marcariam sua carreira. E mais uma vez recorre à influência da música negra, dessa vez o gospel, para comporJesus Cristo. A música, uma das inúmeras parcerias com Erasmo Carlos, levou cerca de seis meses para ser concluída. Tudo porque Roberto não encontrava um pianista cuja sonoridade se aproximasse das músicas de James Brown, a quem o cantor andava ouvindo bastante aqueles tempos.
Depois de tentativas com vários músicos, a produção de Roberto Carlos convidou um pianista da noite carioca chamado Dom Salvador para tentar aproximar a sonoridade da música à de Mr. Dynamite. E ele era realmente o cara para a missão. Dom Salvador já havia tocado nos Estados Unidos e conhecia não apenas a sonoridade, mas também os próprios músicos do universo blackamericano. Tanto que, depois de gravar com Roberto, Dom Salvador, que, aliás, mora há 36 anos em Nova Iorque, marcou seu nome no surgimento da MPBlack - mescla do soul com música brasileira. Dom Salvador é um dos caras de cabelo Black Power e beca invocada na capa do discoSom, Sangue e Raça, de 1971, do grupo Abolição, álbum referência da Black Music brasileira.
O disco do Rei de 1971 é o mais black de todos. São quatro músicas do estilo: Como Dois e Dois, Você não Sabe o que Vai Perder, Eu só Tenho um Caminho e Todos Estão Surdos.Curiosamente, foi no disco mais black da carreira que Roberto Carlos se consolidou no estilo com que mais se identificou: o Romântico. Tudo graças a Detalhes - sem dúvida, a principal canção do Rei nesses 50 anos de carreira. Mas, assim como em Jesus Cristo em 1969, no disco de 1971 Roberto incorpora mais uma vez a fé à Black Music.

Depois do disco de 1971, Roberto ainda fez outras incursões pela Black Music, como no funk Não Adianta Nada, de 1973. Mas a pegada já não era a mesma. Coincidentemente, depois de 1971 a Motown também já não era mais a mesma.
(Fonte: Gazeta do Povo-Fontes bibliográficas: Roberto Carlos em Detalhes (Paulo Cesar de Araújo, Editora Planeta)
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